Lula x Macron: O impasse no acordo Mercosul-União Europeia que ameaça o bromance político e as exportações brasileiras

A relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente francês Emmanuel Macron tem chamado atenção pela cordialidade e pelas demonstrações públicas de amizade. Fotos descontraídas durante a visita de Macron ao Brasil em março de 2024, especialmente na Amazônia, ganharam manchetes e memes, marcando o chamado bromance entre os dois líderes. No entanto, apesar das aparências e afinidades em temas como meio ambiente e governança global, um ponto de tensão permanece como o calcanhar de Aquiles dessa aliança: o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.
Importâncias e relevâncias do acordo UE-Mercosul
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Econômica: O acordo representa uma das maiores parcerias comerciais do mundo e é prioridade da política externa de Lula. Em 2024, a União Europeia foi o segundo maior comprador de produtos brasileiros, movimentando cerca de US$ 48,23 bilhões. A entrada em vigor do tratado ampliaria ainda mais essas trocas, beneficiando especialmente os setores do agronegócio e da indústria brasileira.
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Geopolítica e diplomática: O acordo simboliza um fortalecimento das relações Sul-Norte, especialmente em um momento de tensões comerciais com os Estados Unidos, que vêm elevando tarifas. Para o Brasil, o pacto reforçaria o protagonismo internacional de Lula, alinhado ao seu discurso por uma ordem global mais justa e multipolar.
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Ambiental e regulatória: O acordo exige alinhamentos em regras ambientais e sanitárias. A nova lei europeia antidesmatamento, que passará a vigorar no final de 2025, impõe restrições a commodities produzidas em áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. Isso preocupa o Brasil, pois pode afetar as exportações de carne e soja.
Obstáculos e divergências
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A principal barreira vem da França, considerada por especialistas como o maior entrave à ratificação do acordo. O motivo central é a resistência do setor agrícola francês, que teme a concorrência de produtos sul-americanos com padrões diferentes dos exigidos localmente. Emmanuel Macron ecoa essas preocupações, criticando a falta de garantias contra o desmatamento na Amazônia e defendendo os agricultores franceses.
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Segundo Carolina Pavese, doutora pela London School of Economics e professora do Instituto Mauá de Tecnologia, apesar da relação cordial entre Lula e Macron, não há indicativos concretos de mudança na postura francesa. A rejeição do acordo já foi classificada como "inaceitável" por Paris, mesmo após o clima amistoso demonstrado durante a visita do presidente francês ao Brasil.
O fator político interno na França
- Macron enfrenta um cenário político doméstico instável. Após a derrota de seu partido nas eleições para o Parlamento Europeu em 2024, ele dissolveu o Legislativo e convocou novas eleições. Desde então, opera com um Parlamento fragmentado, dependendo de coalizões para aprovar qualquer medida. Qualquer sinal de apoio irrestrito ao acordo UE-Mercosul poderia enfraquecê-lo ainda mais, sobretudo entre eleitores do setor agrícola — um grupo decisivo na política francesa.
O realismo necessário
- Segundo Kevin Parthenay, professor de Ciência Política da University of Tours, tanto Macron quanto Lula têm limites definidos pela realidade pragmática de suas políticas internas. No caso francês, isso significa que mesmo que Macron quisesse apoiar o tratado com o Mercosul, ele estaria limitado pelas regulamentações da União Europeia sobre proteção ambiental e regras sanitárias, que estão além da decisão de um único chefe de Estado.
Expectativas futuras e pragmatismo brasileiro
- Durante sua visita de Estado a Paris em 2025, Lula levou novamente o tema à mesa, acompanhado de críticas à nova legislação ambiental europeia. O Itamaraty considera que há um cenário "predominantemente favorável" ao acordo, com alguns países antes resistentes, como a Áustria, mostrando sinais de mudança. A expectativa brasileira é de que o pacto seja assinado até dezembro deste ano, mas analistas seguem céticos.
Apesar do clima amigável entre Lula e Macron e da convergência em temas internacionais, a divergência em torno do acordo UE-Mercosul representa um obstáculo relevante e ainda não superado. Enquanto o Brasil tenta equilibrar desenvolvimento e preservação ambiental, a França se vê pressionada por seu setor agrícola e pelas diretrizes ambientais da União Europeia. Essa tensão revela que, na diplomacia internacional, as afinidades pessoais não são suficientes para garantir consensos, especialmente quando há interesses econômicos e eleitorais em jogo. O futuro do tratado dependerá menos de sorrisos e apertos de mão e mais da habilidade de negociar concessões pragmáticas entre blocos que, apesar das diferenças, reconhecem a importância de caminhar juntos.