José Mujica: Lições de vida, política e sobriedade do 'presidente mais pobre do mundo' – Última entrevista e legado

José "Pepe" Mujica, um dos políticos mais icônicos e admirados da América Latina, faleceu em 13 de maio de 2025, aos 89 anos. Nascido em 20 de maio de 1935 em Montevidéu, sua trajetória foi marcada por lutas revolucionárias como guerrilheiro dos Tupamaros, 14 anos de prisão durante a ditadura militar uruguaia - incluindo períodos de tortura e isolamento - e uma surpreendente transição para a política institucional, culminando em sua presidência (2010-2015).
Conhecido como "o presidente mais pobre do mundo" por seu estilo de vida austero e seus poderosos discursos contra o consumismo, Mujica se tornou uma voz global que questionava os valores da sociedade moderna. Nesta entrevista exclusiva concedida à BBC em dezembro de 2024, poucos meses antes de sua morte, o ex-presidente reflete com profundidade sobre temas como a morte, a política, a natureza e o sentido da vida.
A luta contra a morte e a gratidão pela vida
- Mujica enfrentava um câncer de esôfago e dependia de uma sonda para se alimentar, mas mantinha um espírito resiliente. Ele via a morte como inevitável, mas afirmava:
"Tenho que gritar: obrigado à vida".
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Relembrou momentos dramáticos de sua vida, como quando levou um tiro e perdeu o baço, destacando como a sorte e a solidariedade o salvaram.
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Sua postura diante da morte revela uma filosofia estoica, enfatizando a aceitação e a valorização da existência.
O sentido da vida: Ter uma causa
- Para Mujica, o ser humano se diferencia por poder escolher uma causa que dê sentido à vida, seja a política, a ciência ou a arte. Sem isso, ele alerta:
"A sociedade de mercado vai te enquadrar, e você vai passar a vida pagando contas".
- Essa reflexão critica o consumismo e a alienação, propondo que a liberdade verdadeira está em dedicar tempo ao que realmente importa.
Crítica ao consumismo e ao desperdício
- Mujica defendia uma vida sóbria, argumentando que o consumismo desenfreado é insustentável para o planeta. Ele citou:
"Se todos consumissem como os europeus, precisaríamos de três planetas".
- Sua visão antecipa crises ambientais e questiona o modelo econômico atual, destacando a urgência de mudanças individuais e coletivas.
A crise da democracia e a falha da política
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Ele criticou a democracia representativa por não acompanhar a complexidade da sociedade moderna, propondo governos setoriais (saúde, educação) com especialistas no comando.
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Sua análise aponta para a necessidade de reformas políticas que priorizem a expertise e a distribuição de renda, como fez a Frente Ampla no Uruguai.
Amor, companheirismo e legado
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Mujica atribuía sua longevidade e equilíbrio à esposa, Lucía Topolansky, chamando-a de seu "prêmio". Na velhice, ele via o amor como "um doce hábito contra a solidão".
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Sobre seu legado, foi modesto:
"Sou um velho meio maluco... não cabe no mundo de hoje".
Mas celebrou a eleição de Yamandú Orsi, seu herdeiro político, como um reconhecimento de sua luta.
Um pensador à frente de seu tempo
José Mujica deixou um legado de coerência, simplicidade e questionamento radical ao status quo. Suas ideias sobre consumo, liberdade e política continuam relevantes em um mundo marcado por desigualdades e crises ambientais. Apesar de se considerar um "estoico fora de época", sua vida inspira a busca por causas maiores que o materialismo. Como ele mesmo disse: "A história é uma convenção humana... meu legado são os companheiros que continuam lutando". Sua entrevista é um convite à reflexão sobre o que realmente importa na vida.