Crise interna, Brics e queda de popularidade: Por que Lula enfrenta o momento mais delicado de seu terceiro mandato

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicia neste domingo, 6 de julho, a recepção oficial da cúpula dos Brics no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. O evento, que reúne líderes de países emergentes, acontece sob forte aparato de segurança e em um momento político sensível para o governo brasileiro. Diferente da última grande cúpula internacional sediada no país — o G20 em novembro de 2024 —, o encontro dos Brics ocorre em meio a uma conjuntura de queda de popularidade, desgaste com o Congresso Nacional e dúvidas sobre a relevância geopolítica do bloco.
Conflitos internos e queda de aprovação
O atual mandato de Lula é marcado por uma aprovação aquém da registrada em seus dois primeiros governos. Após alcançar 38% de aprovação no início de 2023, os números caíram gradualmente até chegar a 28% em junho de 2025, segundo o Datafolha. O desgaste é atribuído a fatores como:
1.
A crise do Pix, gerada por regras que aumentariam a fiscalização de operações financeiras e foram percebidas como uma tentativa de elevar a carga tributária, gerando forte reação da oposição.
2.
O escândalo do INSS, que envolveu fraudes iniciadas em governos anteriores, mas cuja responsabilidade foi atribuída majoritariamente ao atual governo por grande parte da população.
3.
A alta inflação herdada, sem compensação proporcional nos salários, afetando diretamente a percepção de bem-estar da população.
Diante desse cenário, Lula trocou o comando da Secretaria de Comunicação, entregando-a ao publicitário Sidônio Palmeira, na tentativa de reposicionar a imagem do governo.
Embate com o Congresso e o caso do IOF
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Um dos principais focos de tensão no momento é o embate entre o Executivo e o Congresso Nacional após o governo editar um decreto que aumentava a alíquota do IOF sobre operações financeiras empresariais. A medida previa arrecadação adicional de
R$ 60 bilhões
entre 2025 e 2026, mas foi rejeitada pelo Congresso, que se recusou a assumir o ônus político do aumento tributário. -
Lula reagiu recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista à TV Bahia, o presidente afirmou:
“se eu não for à Suprema Corte, eu não governo mais o país”.
A declaração reforça o clima de confronto entre os poderes.
A bandeira da taxação dos super ricos
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Diante das dificuldades políticas e da resistência do Congresso a medidas fiscais, Lula e o PT passaram a adotar publicamente a defesa da taxação dos super ricos. Durante uma viagem à Bahia, o presidente apareceu ao lado de Janja e do governador Jerônimo Rodrigues com um cartaz pedindo a taxação de bilionários. O gesto foi interpretado como provocação direta a setores do Congresso e ao mercado financeiro.
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A mobilização em torno do tema se intensificou com um protesto recente na sede do banco Itaú BBA em São Paulo, organizado por movimentos sociais como o MTST. A taxação de fortunas, no entanto, ainda não avançou legislativamente.
A cúpula dos Brics: Prestígio internacional sob pressão
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O Brics, inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, foi ampliado em 2023 e hoje inclui mais seis países: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Egito e Irã. Apesar de representar 40% do PIB global em paridade de poder de compra, o bloco enfrenta críticas por seu alinhamento com países como China, Rússia e Irã — em oposição aos Estados Unidos e Europa.
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O presidente Donald Trump, de volta ao poder, já ameaçou impor tarifas a membros do Brics caso avancem com a criação de uma moeda alternativa ao dólar. Esse contexto eleva a tensão geopolítica e expõe fragilidades internas do bloco.
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A ausência confirmada de Xi Jinping e Vladimir Putin na cúpula também levanta dúvidas sobre o comprometimento de seus principais membros. Xi alegou conflitos de agenda, mas a imprensa internacional sugere que a China busca reduzir o antagonismo com os EUA. Putin, por sua vez, está impedido de viajar por ser alvo de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional.
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Analistas como Devika Misra (Índia) e Cláudio Couto (FGV) avaliam que o Brics vive um momento de "vai ou racha". Apesar de seu peso global, o bloco acumula poucas conquistas práticas além do Novo Banco de Desenvolvimento, atualmente presidido por Dilma Rousseff.
O impacto político do evento
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Especialistas brasileiros são céticos quanto à capacidade da cúpula dos Brics de reverter a baixa popularidade de Lula. Segundo o professor Pablo Ortellado (USP), temas internacionais têm pouco apelo junto à população brasileira, que tende a se concentrar nas questões domésticas como renda, inflação e segurança social.
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A diretora-executiva do Datafolha, Luciana Chong, reforça que a política externa raramente influencia de forma decisiva a percepção pública sobre o governo. Assim, embora Lula tente usar o evento para reforçar sua imagem de estadista global, o cenário político interno e os embates com o Congresso devem continuar ditando o tom do seu terceiro mandato.
A cúpula dos Brics ocorre em um momento crucial para o governo Lula, que busca reafirmar sua liderança internacional enquanto enfrenta, internamente, crises de popularidade, choques com o Legislativo e resistência a suas propostas fiscais. O simbolismo de Lula posando com um cartaz pedindo a taxação dos super ricos expõe a estratégia do governo: tentar virar o jogo narrativo ao focar em pautas populares. No entanto, especialistas indicam que, para reconquistar a confiança do eleitorado, será necessário mais do que prestígio internacional. A chave está no enfrentamento direto das questões domésticas e na reconstrução de pontes com o Congresso. O evento dos Brics pode ser palco de visibilidade, mas dificilmente trará o impulso necessário para reverter a trajetória de desgaste político atual.