O Sul é meu país: Como nasceu e por que ainda existe o separatismo sulista?

A recente declaração do governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), sobre a possibilidade de "fazer o país do Sul" reacendeu um debate antigo: o movimento separatista na região Sul do Brasil. Embora sua fala tenha sido feita em tom de brincadeira, ela remete a um discurso defendido há décadas pelo grupo O Sul é Meu País, que busca a independência dos três Estados do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). Este resumo explora as origens históricas, as contradições, a influência atual e os desafios desse movimento.
Origens históricas do separatismo sulista
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O desejo de separação não é recente. Suas raízes remontam ao século XIX, com revoltas como a Revolução Farroupilha (1835-1845) no Rio Grande do Sul e a Guerra do Contestado (1912-1916) em Santa Catarina e Paraná. Esses conflitos refletiam tensões entre as províncias e o governo central, marcadas por disputas políticas e econômicas.
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No entanto, o movimento atual, encarnado pelo O Sul é Meu País, surgiu em 1992, em um contexto de crise econômica e política nacional. Diferentemente dos movimentos históricos, sua ênfase não está apenas em questões federativas, mas também em uma identidade sulista construída sobre valores culturais e suposta superioridade econômica.
A construção da identidade sulista e suas contradições
O movimento baseia-se na ideia de que o Sul é economicamente mais eficiente e "sustenta" outras regiões através de impostos, mas recebe pouco em retorno. No entanto, essa narrativa esconde contradições:
- Fluidez identitária: O discurso oscila entre exaltar heranças indígenas (como o cacique Guairacá) e tradições europeias (imigração alemã e italiana), sem uma base consistente.
- Dependência do governo federal: Como destacou o sociólogo Gabriel Pancera Aver, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), catástrofes como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024 mostraram a necessidade de apoio federal, desmentindo a noção de autossuficiência.
- Xenofobia velada: Migrantes de outras regiões são frequentemente tratados como "invasores", reforçando estereótipos preconceituosos.
A influência política e o apoio popular
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Apesar do discurso inflamado, o movimento tem apoio limitado. Em 2017, uma consulta informal organizada pelo O Sul é Meu País reuniu cerca de 340 mil votos a favor da separação – apenas 2% do eleitorado da região.
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Além disso, o movimento carece de um plano concreto para a independência, diferentemente de casos como o da Catalunha, na Espanha. Seu atual presidente, Ivan Feloniuk, afirmou que o foco agora é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para ampliar a autonomia regional, mas sem ruptura imediata.
O contexto político atual e o bolsonarismo
O separatismo sulista ganhou novo fôlego durante o governo Bolsonaro, com parte dos apoiadores do movimento se identificando mais com o nacionalismo bolsonarista do que com a identidade regional. Como observou Aver, muitos que antes defendiam a separação passaram a adotar o lema "Brasil acima de tudo", mostrando como a identidade sulista é flexível e dependente do momento político.
Um movimento mais retórico do que prático
A declaração do governador Jorginho Mello, ainda que em tom jocoso, revela como o separatismo sulista permanece no imaginário político da região. No entanto, suas contradições – como a dependência do governo federal e a falta de um projeto viável – mostram que se trata mais de um discurso identitário do que de uma proposta factível.
Enquanto o O Sul é Meu País busca renovar sua agenda com uma PEC, a realidade é que a integração econômica e social do Sul com o resto do Brasil dificulta qualquer tentativa de separação. No fim, o movimento serve mais como crítica ao centralismo político do que como um projeto de nação independente.