Cruz da primeira missa no Brasil: Símbolo sagrado da fé ou herança colonial do poder? Entre a devoção e a dominação

Em 22 de abril de 2025, a chegada da Cruz da Primeira Missa ao Brasil reacendeu debates sobre seu significado histórico, religioso e político. A relíquia, originária do Tesouro-Museu da Sé de Braga (Portugal), simboliza a chegada do cristianismo ao país em 1500, mas também carrega consigo narrativas de colonização, dominação e resistência. Este resumo explora as camadas de simbolismo da cruz, analisando seu papel como ícone religioso e instrumento de poder, com base na perspectiva histórico-antropológica do pesquisador Hudson Silva Lourenço, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ).
A cruz como símbolo religioso e colonial
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Origem e significado: A cruz de 40 centímetros, associada à primeira missa celebrada por portugueses em terras brasileiras, representa a imposição do cristianismo como parte do projeto colonial. Segundo Lizzie Nassar (RFI), ela é vista como um símbolo de "esperança, fé e união", mas sua história está ligada à evangelização forçada de povos indígenas e africanos.
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Instrumento de poder: Além da fé, a cruz era um artefato de dominação, usado para subjugar culturas locais e impor a cosmovisão europeia. Sua reintrodução em 2025 reaviva a narrativa de um Brasil "cristão por origem", marginalizando outras espiritualidades.
A colonialidade do poder e a memória oficial
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Narrativa hegemônica: A cruz reforça uma visão unívoca da história, onde a perspectiva do colonizador prevalece. Teóricos como Michel Foucault e Homi Bhabha destacam que o controle sobre símbolos históricos é uma forma de manter estruturas de poder.
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Apagamento de vozes: A celebração da cruz ignora o epistemicídio (destruição de saberes) e o etnocídio sofridos por indígenas e afro-brasileiros. O filósofo Enrique Dussel chama isso de "encobrimento do outro", onde a alteridade é negada em favor da supremacia europeia.
O retorno da cruz em 2025: Continuidade ou crítica?
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Reafirmação do passado: A peregrinação da cruz pelo Brasil não é um ato neutro; é uma reencenação simbólica da colonialidade, disfarçada de celebração religiosa.
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Oportunidade para reflexão: O evento poderia ser um convite à descolonização da memória, reconhecendo as resistências e pluralidades que compõem a história real do Brasil.
Decolonizar os símbolos: Um caminho possível
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Reinventar significados: A decolonização exige mais que rejeitar a cruz; é preciso ressignificá-la, incorporando as vozes dos povos silenciados. Isso inclui valorizar cosmovisões indígenas, afro-brasileiras e outras tradições marginalizadas.
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Justiça histórica: Descolonizar a memória significa questionar mitos fundacionais e promover uma identidade nacional baseada na diversidade e na reparação simbólica.
A Cruz da Primeira Missa é um símbolo ambíguo: Para alguns, representa fé e união; para outros, é um lembrete da violência colonial. Sua chegada em 2025 revela como o passado ainda molda o presente, reforçando hierarquias culturais. No entanto, o evento também oferece uma chance de repensar a história brasileira, incluindo narrativas excluídas e buscando uma reconciliação baseada no respeito à pluralidade. A verdadeira descolonização não está em apagar a cruz, mas em transformá-la em um símbolo que carregue todas as vozes, não apenas as dos vencedores.