Igrejas evangélicas em aldeias indígenas: Conversão, conflitos e a luta pela identidade cultural

Nos últimos anos, as igrejas evangélicas têm se expandido rapidamente em territórios indígenas, especialmente no litoral paulista, onde comunidades como as do território Piaçaguera vivem um intenso debate entre tradição e conversão religiosa. Essa penetração evangélica gera tanto adesão quanto resistência, dividindo opiniões e, em alguns casos, até famílias. Este resumo explora os motivos desse fenômeno, seus impactos e as tensões culturais que ele provoca.
A expansão evangélica nas aldeias
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Exemplo emblemático: Na aldeia Tekoa Kwaray, em Peruíbe (SP), o pastor e cacique Ubiratã Silva lidera a igreja Oy Djaporanduá (Casa de Oração), construída em 2012 com apoio da Assembleia de Deus de Utinga (ABC Paulista). A comunidade vê o templo como uma "benção", enquanto críticos o associam à perda de identidade cultural.
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Presença generalizada: Das 12 aldeias do território Piaçaguera, pelo menos metade possui templos evangélicos, muitos financiados por igrejas de São Paulo. Na Tekoa Ka'aguy Mirim, o diácono Javã (Mirimndju) comanda cultos da Missão Nacional, enquanto a Primeira Igreja Batista de Santo André apoia a comunidade Nhamandu Mirim.
Motivações para a conversão
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Discurso de moralidade: Missionários como Robson Miguel defendem que os indígenas "já seguiam os mandamentos" antes de conhecer a Bíblia, destacando valores como família, respeito aos mais velhos e rejeição a comportamentos como o alcoolismo.
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Apoio material: Igrejas oferecem desde alimentos até construção de templos, criando vínculos de dependência. Na Nhamandu Mirim, uma vaquinha arrecadou R$ 7 mil para a obra da igreja.
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Conflito geracional: Jovens, como Javã, veem no cristianismo uma forma de modernidade, enquanto líderes tradicionais resistem.
Resistência e tensões culturais
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Críticas das lideranças: Alguns caciques, que preferem não se identificar, acusam as igrejas de dividir as comunidades e impor uma visão de mundo alheia à cosmologia indígena. Um deles afirma: "Eles dizem que nossos rituais são do demônio".
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Casa de reza vs. templo: Enquanto evangélicos como Gleison Silvano (da Tekoa Kwaray) afirmam que Deus e Nhanderu (divindade guarani) são o mesmo, outros indígenas veem incompatibilidade. A antropóloga Camila Mainardi (UFG) registrou casos em que a introdução do evangelho gerou disputas sobre rituais como o uso da ayahuasca.
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Legado do conflito da Aldeia Bananal (2000): A expulsão de indígenas evangélicos dessa aldeia deu origem ao Piaçaguera, marcando uma divisão que persiste até hoje.
A visão dos missionários
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Luzia e João Coelho, missionários batistas, afirmam que não "forçam" a conversão, mas oferecem "aconselhamento" para uma vida "mais próxima da sociedade". Luzia defende: "Não julgamos, apenas pregamos o evangelho".
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Robson Miguel rebate críticas lembrando que a catequização católica no período colonial foi mais invasiva: "Ninguém reclamou dos padres".
Identidade e reinterpretação religiosa
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Tupi-guarani vs. guarani mbya: Alguns grupos, como os seguidores de Ubiratã, passaram a se autodenominar "tupi-guaranis" para se diferenciar dos guaranis mbya (mais tradicionais). Essa distinção, porém, não existe na antropologia clássica.
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Traduções da fé: Enquanto evangélicos buscam uma Bíblia em tupi, líderes como Javã insistem que Nhanderu e o Deus cristão são o mesmo, mas divergem na aceitação de outras divindades guarani.
A expansão evangélica nas aldeias indígenas do Piaçaguera reflete um embate complexo entre tradição e modernidade, onde questões materiais, espirituais e políticas se entrelaçam. Se, por um lado, as igrejas oferecem apoio social e um sentido de comunidade, por outro, desafiam práticas ancestrais e a coesão cultural. O futuro dessas comunidades dependerá de como equilibrar autonomia indígena e liberdade religiosa, sem que uma anule a outra. Como resume o cacique Juliano Cabral:
"Respeito quem quer ir à igreja, mas nossa casa de reza também deve ser valorizada".