Preconceito contra nordestinos no Brasil: Por que persiste e como combater essa discriminação histórica

O preconceito contra nordestinos no Brasil é um fenômeno histórico e estrutural, alimentado por estereótipos que reduzem a diversidade da região a clichês como a seca, a pobreza e o atraso. O jornalista potiguar Octávio Santiago, autor do livro Só Sei Que Foi Assim: A Trama do Preconceito Contra o Povo do Nordeste, investiga como esse estigma se mantém e por que ele é tão resistente. Sua pesquisa revela que a discriminação não só marginaliza os nordestinos, mas também serve aos interesses de quem detém o poder narrativo no eixo Sul-Sudeste.
A origem do preconceito e sua conveniência
- Manutenção de privilégios: O estereótipo do nordestino como "inferior" beneficia as elites do Sul e Sudeste, que historicamente controlam a economia e a mídia. Essa narrativa justifica a concentração de recursos e oportunidades nessas regiões.
- Raízes históricas: Desde o declínio dos senhores de engenho no Nordeste e a ascensão dos barões do café no Sudeste, criou-se um imaginário de que o "Brasil real" está apenas no eixo Rio-São Paulo.
- Exemplo cotidiano: O episódio vivido por Santiago em Portugal, onde uma brasileira estranhou sua capacidade por ele "não parecer nordestino", ilustra como o preconceito está internalizado até entre os próprios brasileiros.
A representação distorcida na cultura
- Cinema e TV: Produções como Bacurau (2019) reforçam a imagem do Nordeste como um lugar violento e árido, enquanto filmes como Aquarius (2016), que mostra um Nordeste urbano e complexo, são tratados como exceções.
- Humor e reducionismo: Personagens nordestinos muitas vezes são retratados com sotaques exagerados e traços caricatos, perpetuando a ideia de que são menos capacitados.
- Falta de protagonismo: Dificilmente vemos nordestinos em papéis de prestígio (médicos, professores, empresários) na mídia, ao contrário de personagens associados à pobreza ou ao folclore.
O preconceito na política e na sociedade
- Eleições de 2022: O STJ reconheceu que ofensas contra nordestinos durante a campanha eleitoral equivalem a racismo, evidenciando como o ódio se manifesta quando a região exerce influência política.
- Lula e a identidade nordestina: Apesar de ser pernambucano, Lula raramente é retratado como um "nordestino no poder". Sua imagem é mais associada ao ABC paulista, o que revela um apagamento estratégico para evitar estigmas.
O mito do "sudestino" e a armadilha da rivalidade
- O termo "sudestino" surgiu como resposta ao preconceito, mas Santiago alerta que ele não resolve o problema:
"Não faz sentido combater um preconceito com outro".
- A diversidade do Sudeste (como as diferenças entre mineiros e paulistas) mostra que generalizar qualquer região é um erro. O objetivo deveria ser valorizar a pluralidade, não criar novas divisões.
Avanços e desafios
- Exemplos positivos: A minissérie Amores Roubados (2014) e artistas como Pitty e Johnny Hooker rompem com estereótipos ao mostrar um Nordeste moderno e diverso.
- O papel da educação: Combater o preconceito exige desconstruir a ideia de um Nordeste homogêneo, destacando sua riqueza cultural, econômica e histórica.
Por que o preconceito persiste?
O estigma contra nordestinos não é casual: ele serve para manter hierarquias sociais e justificar desigualdades. Enquanto o Nordeste for visto como "o outro" — seja na política, na cultura ou no cotidiano —, o preconceito seguirá sendo uma ferramenta de exclusão. A solução passa por ampliar as narrativas, mostrando a região em sua complexidade, e por confrontar os privilégios de quem se beneficia dessa discriminação. Como diz Santiago, "já sabemos como foi, mas não precisa continuar sendo assim".