INSS fora da meta fiscal: Por que especialistas alertam para uma 'bomba' no orçamento do governo Lula?

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de excluir o ressarcimento a aposentados e pensionistas do INSS da meta de resultado primário reacende um alerta crucial sobre a solidez do arcabouço fiscal do governo Lula. Economistas ouvidos pela CNN são unânimes: a medida fragiliza a credibilidade das regras orçamentárias e amplifica o risco de descontrole nas contas públicas do Brasil.
O que aconteceu?
Na última quinta-feira (3 de julho de 2025), o ministro Dias Toffoli, do STF, homologou um plano do governo para indenizar aposentados e pensionistas do INSS vítimas de descontos irregulares. O ponto mais polêmico foi a autorização para que o pagamento de R$ 4 bilhões
fosse feito via crédito extraordinário. Isso significa que a despesa ocorrerá fora do orçamento regular e, crucialmente, não impactará a meta fiscal. Embora o objetivo seja justo para os beneficiários, esse mecanismo é visto como uma flexibilização perigosa do novo marco fiscal.
Por que isso é tão relevante?
A exclusão da despesa do INSS da meta fiscal gera preocupações sérias:
- Fragilização do arcabouço fiscal: O novo marco fiscal, aprovado em 2023, estabelece limites rigorosos para o crescimento dos gastos (até 2,5% ao ano, atrelado à receita). A inclusão de despesas "extraordinárias" fora dessa regra desmoraliza o controle orçamentário e põe em xeque a disciplina prometida.
- Precedente perigoso: Economistas temem que a medida abra um precedente. Se indenizações judiciais futuras puderem seguir o mesmo caminho, o arcabouço fiscal pode perder sua efetividade, transformando-se em uma "colcha de retalhos" de exceções.
- Dívida pública em trajetória preocupante: A dívida bruta do Brasil já atingiu 76,2% do PIB (equivalente a
R$ 9,2 trilhões
). Projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) indicam que, sem mudanças na trajetória atual, a dívida pode ultrapassar 100% do PIB até 2030. Qualquer medida que adicione gastos fora de controle agrava essa situação.
O alerta dos economistas
Especialistas reforçam a gravidade da situação:
- Zeina Latif (Gibraltar Consulting):
"O governo já opera no limite inferior da meta fiscal, sem margem para imprevistos. Essa medida reforça a percepção de um risco fiscal crescente."
- Luiz Fernando Figueiredo (ex-BC):
"O arcabouço fiscal está virando 'piada'. O governo parece ignorar suas próprias regras quando é conveniente, minando a confiança do mercado e da sociedade."
- Beto Saadia (Nomos):
"O precedente criado pode incentivar mais gastos fora do orçamento, o que agrava a já elevada rigidez fiscal do país. Cerca de 90% das despesas já são obrigatórias, limitando a capacidade de ajuste."
- Tony Volpon (ex-BC):
"A dívida não perdoa. Mesmo que o valor em questão (R$ 4 bilhões) pareça pequeno em um orçamento bilionário, ele se soma a um endividamento que já está crescendo de forma preocupante."
O contexto fiscal preocupante
- O governo projeta um déficit primário de até
R$ 31 bilhões
para 2025, mas os especialistas alertam que essa margem é insuficiente para lidar com emergências ou desvios. O próprio Ministério da Previdência reconhece que o orçamento está "no limite do limite", justificando o uso de mecanismos excepcionais. - Sérgio Vale (MB Associados) ressalta que a política fiscal brasileira está "desorganizada", com os gastos obrigatórios crescendo mais rapidamente do que a capacidade de arrecadação do Estado.
Um desafio estrutural sem solução rápida
- A decisão do STF, embora busque uma reparação justa para os aposentados, expõe um problema estrutural e de longo prazo: a incapacidade do Estado brasileiro de conciliar demandas sociais crescentes com a sustentabilidade fiscal. O governo Lula enfrenta o dilema de honrar seus compromissos sem ampliar perigosamente o endividamento.
No entanto, soluções que "passam por fora" do arcabouço fiscal, como os créditos extraordinários, apenas adiam o problema e acumulam um passivo para o futuro. Como alerta Murilo Viana, especialista em contas públicas: "Tudo acaba caindo na dívida". Sem reformas estruturais que contenham o crescimento dos gastos obrigatórios ou garantam um aumento sustentável das receitas, o Brasil corre o risco de entrar em uma espiral de crise fiscal sem precedentes no médio prazo.