Vinicius de Moraes: O machismo das suas obras resistiria hoje ao cancelamento? Polêmicas do grande poeta

Vinicius de Moraes (1913–1980), um dos nomes mais celebrados da cultura brasileira, completa 45 anos de sua morte em 2025. Poeta, compositor, diplomata e um dos pais da bossa nova, sua obra é revisitada hoje com críticas ao machismo e à objetificação feminina. Trechos como "Mulher que nega não sabe, não" (Formosa, 1965) ou "Mulher tem é que trabalhar" (Maria Moita) evidenciam uma visão que, no século XXI, seria alvo de cancelamento. Este resumo explora a dualidade de seu legado: a genialidade artística e as contradições de um homem de seu tempo.
"Sou um meigo energúmeno. Até hoje só bati numa mulher/ Mas com singular delicadeza. Não sou bom/ Nem mau: sou delicado."
"Formosa, não faz assim/ Carinho não é ruim/ Mulher que nega não sabe, não/ Tem uma coisa de menos no seu coração/ A gente nasce, a gente cresce/ A gente quer amar/ Mulher que nega/ Nega o que não é para negar."
"Deus fez primeiro o homem/ A mulher nasceu depois/ E é por isso que a mulher/ Trabalha sempre pelos dois/ O homem acaba de chegar, tá com fome/ A mulher tem que olhar pelo homem / E é deitada, em pé/ Mulher tem é que trabalhar."
A importância de Vinicius de Moraes na cultura brasileira
- Fundador da bossa nova: Autor de clássicos como Garota de Ipanema (com Tom Jobim), música que hoje também é criticada por reduzir a mulher a um objeto de desejo.
- Poeta popular: Modernizou o soneto com versos como "Que seja infinito enquanto dure" (Soneto da Fidelidade), tornando a poesia acessível.
- Diplomata boêmio: Expulso do Itamaraty em 1969 pelo regime militar, foi reintegrado simbolicamente em 2010, durante o governo Lula, como "embaixador póstumo".
O machismo na obra de Vinicius: Contexto histórico vs. olhar contemporâneo
- Trechos problemáticos: Seus poemas e letras frequentemente retratavam mulheres como submissas, sensuais ou "meigas" vítimas de violência
"bati numa mulher/com singular delicadeza"
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Influências da época: Como explica o professor Miguel Sanches Neto (UEPG), Vinicius personificou o "macho latino" dos anos 1950–70, estereótipo romantizado na boemia carioca.
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Críticas atuais: A pesquisadora Lígia Menna (Mackenzie) destaca que a objetificação em Garota de Ipanema é inegável, mas lembra que tais visões eram comuns em sua geração.
Projetos de revisão crítica
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"Meigo Energúmeno": O músico Luca Argel lançou em 2025 um disco e livro que reinterpretam a obra de Vinicius sob uma perspectiva antimachista. Argel defende que o poeta, se vivo hoje, revisaria sua linguagem.
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Debate sobre cancelamento: Para Argel, criticar Vinicius é uma forma de homenageá-lo, já que a análise profunda prova sua relevância. Já Menna acredita que ele, como progressista, se adaptaria aos novos tempos.
A vida pessoal: O mito do "amor eterno"
- Nove casamentos: Sua busca por uma "paixão infinita" virou lenda, mas também refletia uma visão idealizada da mulher. Sua última esposa, Gilda Mattoso, defende que ele era "respeitoso" no trato pessoal, embora sua arte reproduzisse estereótipos.
- Alcoolismo e boemia: Sua imagem de "bêbado genial" era romantizada, mas hoje seria questionada pela naturalização do vício.
Um legado complexo e necessário
Vinicius de Moraes é incontornável na cultura brasileira, mas sua obra exige leitura crítica. Se, por um lado, ele revolucionou a poesia e a música, por outro, cristalizou imagens machistas que ainda ecoam na sociedade. Como afirma Lígia Menna: "Não podemos jogar o bebê com a água do banho". Seu trabalho deve ser apreciado, mas também discutido à luz das pautas contemporâneas até porque, como escreveu o próprio poetinha, "o amor é eterno enquanto dura" e a arte só sobrevive se souber se transformar.