Jogo "The Coffin of Andy and Leyley" e o assassinato em Itaperuna: Até onde vai a influência dos games violentos?

Em junho de 2025, um crime brutal chocou a cidade de Itaperuna, no interior do Rio de Janeiro. Um adolescente de 14 anos confessou ter assassinado seus próprios pais e irmão enquanto dormiam. O motivo, segundo ele, foi a impossibilidade de visitar sua namorada de 15 anos, que mora em Água Boa, no Mato Grosso. A investigação revelou que a garota não apenas sabia do plano, mas também orientou o jovem durante a execução dos assassinatos e foi considerada coautora. O plano do casal incluía ainda o assassinato dos pais dela.
Relevância da influência midiática e da frieza
As mensagens trocadas entre os adolescentes apresentavam um tom frio e mórbido, segundo a polícia. A comunicação constante sobre violência e estratégias para ocultar o crime chamou a atenção do delegado responsável, Carlos Augusto Guimarães. A investigação indicou que o casal se inspirava diretamente no jogo de terror psicológico The Coffin of Andy and Leyley, que aborda temas perturbadores como incesto, canibalismo e assassinato. Ambos discutiam detalhes da narrativa do jogo e demonstravam identificação com os personagens.
O que é o jogo The Coffin of Andy and Leyley
- O jogo, desenvolvido pela criadora independente Nemlei (posteriormente associada ao estúdio Kit9), se passa em um mundo sombrio onde os irmãos Andrew e Ashley vivem isolados durante uma quarentena. A história revela uma relação doentia, com traços de incesto e manipulação psicológica. Ambos foram vítimas de negligência e abuso parental, chegando a planejar o assassinato dos pais para realizar um ritual demoníaco.
- Apesar dos gráficos simples e cartunescos, o conteúdo é pesado e provoca debates sobre saúde mental, abuso, trauma e obsessão. O jogo apresenta múltiplos finais trágicos, como suicídio, assassinato fratricida ou submissão total à manipulação. É uma obra que, apesar de polêmica, funciona como narrativa provocativa e satírica, mas não incentiva diretamente crimes ou comportamentos violentos.
O debate sobre jogos violentos e influência em crimes
- Casos como esse reacendem um debate antigo no Brasil:
até que ponto jogos eletrônicos podem influenciar comportamentos violentos, especialmente entre jovens?
A mídia tradicional costuma associar rapidamente crimes a títulos populares como GTA, Mortal Kombat ou Counter-Strike. No entanto, especialistas alertam que essa visão simplista ignora fatores como ambiente familiar, saúde mental e contexto social. - Jogos são uma forma de arte interativa, que permite ao jogador explorar temas difíceis, como ocorre com filmes, livros e músicas. O problema não está necessariamente na existência de temas pesados, mas na forma como são consumidos, principalmente por públicos inadequados para tais conteúdos.
A importância da classificação indicativa e do monitoramento familiar
- A classificação indicativa do jogo em questão é de 14 anos no Brasil, o que gerou polêmica, considerando seu teor altamente sugestivo. Embora tecnicamente se enquadre nas regras da ClassInd (órgão do Ministério da Justiça), há um descompasso evidente entre o conteúdo gráfico leve e a complexidade moral e psicológica do jogo. Isso levanta questões sobre a eficácia do sistema de classificação e sobre a necessidade de supervisão parental mais ativa.
- O delegado Carlos Augusto Guimarães destacou também a exposição dos jovens a outros conteúdos violentos e adultos, como o filme Precisamos Falar Sobre o Kevin, também citado pelo suspeito. A banalização do incesto e da violência, presente inclusive em tendências de pornografia na internet (como apontado por dados do site Components), contribui para dessensibilizar jovens e moldar percepções distorcidas da realidade.
O perfil da comunidade do jogo e os riscos de nichos online
- Investigações em comunidades não-oficiais do jogo revelaram conteúdos preocupantes, como fanarts pornográficas dos personagens e discussões que normalizam temas como incesto e assassinato. Embora essa parcela da comunidade não represente todos os fãs, evidencia que parte do público está imersa em um ambiente de dessensibilização e exaltação da violência. A criadora do jogo, após ter dados pessoais expostos, afastou-se das redes e deixou a responsabilidade pelo título ao estúdio Kit9, que não se pronunciou.
O crime é reflexo de múltiplas falhas sociais e não apenas de um jogo
- O crime de Itaperuna não deve ser interpretado de forma reducionista. Não é o jogo The Coffin of Andy and Leyley o único culpado, mas sim uma combinação de fatores: negligência familiar, exposição indevida a conteúdos adultos, falta de supervisão parental, contexto social desestruturado e a fragilidade emocional dos envolvidos. O jogo, por mais polêmico que seja, é uma obra de ficção que, como outras mídias artísticas, pode ser mal interpretada e consumida fora de seu público-alvo.
É urgente repensar a forma como jovens têm acesso à internet, reforçar a importância da classificação indicativa e ampliar a conscientização dos pais sobre os conteúdos que seus filhos consomem. Da mesma forma, a sociedade precisa abandonar o impulso de buscar culpados fáceis e passar a tratar casos como esse com seriedade, empatia e compromisso com a prevenção, não apenas com a punição.